Papa às Carmelitas: A clausura situa-vos no coração de Deus
Rádio Vaticano. O Papa Francisco visitou na manhã deste sábado, 7 de setembro, o Mosteiro das Carmelitas Descalças de Antananarivo, onde rezou com as cerca de 100 religiosas, de vários mosteiros em Madagáscar, a oração da Hora Média. Também estavam presentes cerca de 70 noviças. A comunidade religiosa das Carmelitas de Antananarivo, que foi fundada em 1927, compreende atualmente 13 irmãs de clausura com votos perpétuos, três professas, uma noviça e uma postulante. A ocupar as religiosas, diariamente, além da oração, que marca os diferentes momentos do dia, a realização de paramentos litúrgicos e bordados, a preparação das hóstias e o trabalho na horta.
O Mosteiro, cuja primeira pedra foi colocada em setembro de 1937 e concluído vinte anos mais tarde, sofreu danos em 2004 causados por chuvas fortes e ciclones; as obras de restauração terminaram em 2017. Francisco deixou de lado o sua homilia preparada e conversou com as religiosas improvisando uma reflexão.
Eis o texto integral da homilia preparada pelo Papa Francisco entregue às religiosas:
Dileta Madre Madalena da Anunciação,
Irmãs muito amadas!
Agradeço-vos a receção calorosa e as palavras da Madre que dão voz a todas as monjas contemplativas dos diferentes mosteiros deste país. Obrigado a todas e cada uma de vós, queridas Irmãs, por terdes deixado brevemente a clausura para manifestar a vossa comunhão comigo e com a vida e a missão de toda a Igreja, especialmente a de Madagáscar.
Agradeço a vossa presença, a vossa fidelidade, o testemunho luminoso de Jesus Cristo que ofereceis à comunidade. Neste país, há pobreza; é verdade, mas existe também tanta riqueza! É rico de belezas naturais, humanas e espirituais. Também vós, Irmãs, fazeis parte desta beleza de Madagáscar, do seu povo e da Igreja, pois é a beleza de Cristo que resplandece nos vossos rostos e nas vossas vidas. Graças a vós, a Igreja em Madagáscar é ainda mais bela aos olhos do Senhor e também aos olhos do mundo inteiro.
Os três salmos da Liturgia de hoje expressam a angústia do salmista num momento de provação e perigo. Permiti que me detenha no primeiro salmo, ou seja, numa secção do Salmo 119, o mais longo do Saltério, composto de oito versículos por cada letra do alfabeto hebraico. O autor é, sem dúvida, um homem de contemplação, alguém que sabe dedicar longos e maravilhosos momentos à oração. Na estrofe de hoje (Sal 119/118, 81-88), a palavra que aparece mais vezes e dá o tom ao conjunto é «suspirar», usada principalmente em dois sentidos.
O orante suspira pelo encontro com Deus. Vós sois o testemunho vivo deste anseio inextinguível que habita no coração de todos os homens. No meio das múltiplas ofertas que pretendem – mas não conseguem – satisfazer o coração, a vida contemplativa é a tocha que conduz ao único braseiro eterno, «a chama viva de amor que docemente fere» (São João da Cruz). Vós representais «visivelmente a meta para onde caminha a comunidade eclesial inteira, que avança pelas estradas do tempo com o olhar fixo na futura recapitulação de tudo em Cristo, preanunciando assim a glória celeste» (Francisco, Const. ap. Vultum Dei quaerere, 2).
Somos sempre tentados a satisfazer o anseio de eternidade com coisas efémeras. Estamos expostos aos mares revoltos que acabam apenas por afogar a vida e o espírito: «Como o marinheiro no mar alto precisa do farol que indique a rota para chegar ao porto, assim o mundo tem necessidade de vós. Sede faróis para os que estão perto e sobretudo para os afastados. Sede tochas que acompanham o caminho dos homens e mulheres na noite escura do tempo. Sede sentinelas da manhã (cf. Is 21, 11-12) que anunciam o nascer do sol (cf. Lc 1, 78). Com a vossa vida transfigurada e com palavras simples ruminadas no silêncio, indicai-nos Aquele que é caminho, verdade e vida (cf. Jo 14, 6), o único Senhor que oferece plenitude à nossa existência e dá vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Gritai-nos como André a Simão: “Encontramos o Messias” (cf. Jo 1, 40); anunciai, como Maria de Magdala na manhã da ressurreição: “Vi o Senhor!” (Jo 20, 18)» (Ibid., 6).
Mas o salmo fala de «suspirar» também noutro sentido e tem a ver com a intenção dos ímpios, daqueles que pretendem destruir o justo; perseguem-no, preparam-lhe ciladas e querem deitá-lo ao chão. Um mosteiro é sempre um espaço, onde chegam as dores do mundo, as da vossa gente. Sejam os vossos mosteiros – no respeito do vosso carisma contemplativo e das vossas constituições – lugares de guarida e escuta, especialmente para pessoas muito infelizes. Hoje acompanham-nos duas mães que perderam os seus filhos e representam todas as tribulações dos vossos irmãos insulares. Permanecei atentas ao clamor e às misérias dos homens e mulheres ao vosso redor, que vêm ter convosco consumidos pelo sofrimento, a exploração e o desânimo. Não sejais daquelas que escutam apenas para matar o tédio, satisfazer a curiosidade ou arranjar temas de conversa.
A este respeito, tendes uma missão fundamental a desempenhar. A clausura situa-vos no coração de Deus e, consequentemente, no lugar onde Ele colocou o seu coração. Escutais o coração do Senhor para O ouvir também nos vossos irmãos e irmãs. Com frequência, as pessoas ao vosso redor são muito pobres, frágeis, agredidas e feridas de mil maneiras; mas estão cheias de fé e, instintivamente, reconhecem em vós testemunhas da presença de Deus, preciosas referências para O encontrar e obter a sua ajuda. Para tanta tribulação que as consome interiormente, lhes rouba a alegria e a esperança, fá-las sentir-se estrangeiras, vós podeis ser um caminho para aquele rochedo de que fala outro Salmo: «Ó Deus, ouve o meu clamor, atende a minha oração. Dos confins da terra grito por Ti, com o meu coração desfalecido. Coloca-me sobre o rochedo que me é inacessível» (Sal 61/60, 2-3).
A fé é o maior bem dos pobres! É muito importante que esta fé seja anunciada e fortalecida neles, que os ajude realmente a viver e a esperar. E que a contemplação dos mistérios de Deus, manifestada na vossa Liturgia e nos vossos tempos de oração, vos permita descobrir melhor a sua presença ativa em cada realidade humana, mesmo a mais dolorosa, e dar graças porque, na contemplação, Deus vos oferece o dom da intercessão. Pela vossa oração, como mães carregais às costas os vossos filhos, levando-os para a Terra Prometida. «A oração será mais agradável a Deus e mais santificadora, se nela procurarmos, através da intercessão, viver o duplo mandamento que Jesus nos deixou. A intercessão expressa o compromisso fraterno com os outros, quando somos capazes de incorporar nela a vida deles, as suas angústias mais inquietantes e os seus melhores sonhos. A quem se entrega generosamente à intercessão, podem-se aplicar estas palavras bíblicas: “Eis o amigo dos seus irmãos, aquele que reza muito pelo povo” (2 Mac 15, 14)» (Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate, 154).
Sem vós, queridas Irmãs contemplativas, que seria da Igreja e de quantos vivem nas periferias humanas de Madagáscar? Que aconteceria a todos aqueles que trabalham na vanguarda da evangelização e, lá de modo particular, em condições muito precárias, difíceis e, por vezes, perigosas? Todos se apoiam na vossa oração e no dom sempre renovado da vossa vida; um dom, muito precioso aos olhos de Deus, que vos faz participar no mistério da redenção desta terra e das queridas pessoas que nela vivem.
«Estou como um odre exposto ao fumo»: diz o Salmo (119/118, 83), referindo-se ao tempo decorrido enquanto vive este duplo modo de ser consumido: suspirando por Deus e suspirando por causa das dificuldades do mundo. Às vezes, quase sem querer, afastamo-nos caindo «na apatia, na rotina, na desmotivação, na acédia paralisadora» (Const. ap. Vultum Dei quaerere, 11). Pouco importa os anos que tendes ou a dificuldade em andar ou de chegar a tempo ao serviço! Não somos odres expostos ao fumo, mas troncos que ardem até se consumir no fogo que é Jesus, Aquele que nunca falha e que cobre todas as dívidas.
Obrigado por este tempo de partilha, confio-me às vossas orações. Confio-vos todas as intenções que trago durante esta viagem a Madagáscar; rezemos juntos para que o Espírito do Evangelho possa germinar nos corações de todo o vosso povo.
A vida comunitária: muitos pequenos atos de amor
Francisco partiu de uma palavra da Leitura feita pouco antes, “coragem”, e disse que para seguir o Senhor é preciso sempre um pouco de coragem, mas, observou, vejo que o trabalho mais árduo é Ele quem faz, devemos ter a coragem de deixar que Ele o faça.
Em seguida, contou uma imagem que o ajudou muita em sua vida sacerdotal e de fé. As vicissitudes de duas irmãs, uma jovem e uma anciã, que uma noite, saindo do Coro onde tinham rezado, caminhavam para o refeitório e a anciã quase não podia caminhar.
A jovem buscava ajudá-la, mas a anciã se irritava: “não me toque que assim eu caio”, dizia, mas a jovem a acompanhava sempre com o sorriso. Não é uma fábula, é uma história de vida, disse Francisco e revelou os nomes das duas coirmãs. A jovem era Santa Teresa de Menino Jesus.
É uma história verdadeira, disse, que reflete uma parte da vida comunitária, que mostra o espírito com o qual se pode viver a vida comunitária. A caridade nas pequenas coisas e nas grandes coisas. Fazendo aquilo que a obediência pede.
Sei, disse o Santo Padre, que todas vocês vieram aqui para estar perto do Senhor e para buscar a perfeição, mas a perfeição se encontra nestes pequenos passos de amor. Pequenos passos que parecem nada, mas são pequenos passos que escravizam, que aprisionam Deus.
Isso pensava Santa Teresinha, e essas cordas, repetiu o Papa, são pequenos atos de amor que podemos fazer. É preciso a coragem de dar pequenos passos, a coragem de crer que na minha pequenez Deus é feliz e Deus trará a salvação do mundo. Se você quiser mudar não somente a vida religiosa, mas salvar o mundo, exortou ainda Francisco, comece com esses pequenos atos de amor que aprisionam Deus.
O mosteiro e o chamado do mundo
Voltou, em seguida, à história da jovem e da anciã e disse que, uma noite, enquanto as duas caminhavam do Coro para o refeitório, Teresa ouviu o barulho de música que provinha da cidade, música de festa, de dança e ela pensou nos jovens que dançavam, um matrimônio, um aniversário e talvez tenha sentido que seria bom se pudesse estar ali, mas imediatamente disse ao Senhor que jamais trocaria por aquela festa mundana um dos pequenos gestos que fazia no mosteiro, porque estes gestos a faziam feliz mais do que todas as danças do mundo.
Certamente, disse Francisco, também para vocês o mundanismo chegará de várias formas: saibam discernir com a priora, com a comunidade, discernir as vozes do mundanismo, que não entrem no mosteiro de clausura. Quando vier em vocês pensamentos de mundanismo pensem nos pequenos gestos de amor, eles salvam o mundo. Teresa preferiu ficar com a anciã.
Quando houver algo estranho, falem imediatamente
Cada uma de vocês, prosseguiu o Pontífice, para entrar no convento travou muitas lutas, muitas coisas boas e venceu: abateu o espírito do mundo, o pecado, o diabo. O diabo foi embora entristecido, quando uma de vocês entrou no mosteiro, mas depois vendo uma alma tão bela ele retorna e quer entrar nela e pede a ajuda de outros diabos mais astutos do que ele.
Mas eles não podem entrar fazendo barulho como se fossem ladrões, devem entrar educadamente, e assim os diabos educados tocam a campainha, pedem educadamente para entrar. E desse modo a condição daquela alma é pior do que antes. Você não se deu conta de que era o diabo? – se perguntou o Papa. E agora é tarde demais. Você não falou com sua priora, com o Capítulo, com alguma irmã da Comunidade?
O diabo não quer ser reconhecido e toma para si as vestes de uma pessoa nobre. Muitas vezes se torna até mesmo o assistente espiritual. Em seguida o Papa fez um premente convite: por favor, se você se dá conta de algo estranho, fale imediatamente. Falem logo se algo lhes tira a tranquilidade, antes mesmo de tolher a paz. Essa é a ajuda para defender a santidade, para defender o mosteiro.
Mas, vocês poderão dizer, nós nos defendemos bem do diabo porque temos uma grade dúplice e também uma tenda no meio. Mas não são suficientes. Nem mesmo 100, ressaltou Francisco. A defesa é a caridade e a oração. Assim fazia Teresa de Menino Jesus, falava, falava com a priora, embora esta não lhe quisesse bem. Mas para ela a priora era Jesus.
A luta interior deve ser combatida até o fim
O Papa Francisco retomou a história e disse que depois Santa Teresa adoeceu e pouco a pouco pareceu-lhe ter perdido a fé. Parecia não saber como fazer para afugentar o diabo que girava a seu redor nos últimos meses de sua vida. Chamava suas irmãs para que jogassem água benta em seu leito, para que acendessem velas.
A luta no mosteiro é até o fim, mas é bonita, concluiu o Santo Padre, comentando em seguida, talvez interpretando o pensamento de alguma delas, disse ele mesmo: mas este Papa ao invés de falar-nos de coisas teológicas, falou-nos como a crianças, quem dera fossem todas crianças no espírito, com aquela dimensão da infância que o Senhor tanto ama. E encerrou dizendo que Santa Teresinha agora é aquela que acompanha um ancião, ele mesmo, e que ele quis dar esse testemunho. Quis falar às Carmelitas de sua experiência com uma santa para dizer a todas: “Avante e corajosas!”
A saudação da priora
Na chegada do Pontífice ao mosteiro a priora, Irmã Maria Madalena da Anunciação, dirigiu uma saudação a Francisco na capela, antes da recitação da oração da Hora Média.
Expressou ao Santo Padre a gratidão de todas as coirmãs pelo momento de oração que estavam para viver juntos e um efusivo agradecimento pela “atenção e cuidado” com o qual o Papa “acompanha as monjas de Vida Contemplativa e, em particular, pelos recentes documentos “Vultum Dei Querere” et “Cor Orans”, cujos conteúdos e orientações nos renovam na fidelidade a nossos respectivos carismas e nos abrem à escuta de nossos irmãos e irmãs em humanidade.
É na oração, disse ainda Irmã Maria Madalena, que “haurimos a nossa força e ela é o laço que nos une. E o senhor, Santo Padre, com todas as suas intenções, tem um lugar especial em nossa vida de oração e de amor, no coração da Igreja”.