Irmãs Carmelitas 
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Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo

Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo

- Aspectos Devocionais Marianos no Carmelo Teresiano -

1. Sobre a Nuvenzinha

Tal visão teve o “Zelador” Elias no cume do Monte Carmelo (1Rs 19,41-46), quando este previa o fim da seca (1Rs 16,29-11) que acometia Israel durante o reinado de Acab.

            Segundo a Igreja, em suas lições sobre Nossa Senhora do Carmo, a “Nuvenzinha” era “tipo insigne de Maria Imaculada”. No prefácio da Missa desta mesma Festa, têm-se: “Verdadeiramente é muito justo e digno (...) dar-Te graças, Pai Onipotente (...) por haveres Tu dignado mostrar, modo maravilhoso à Elias, Teu profeta Santo, uma Nuvem subindo do mar, na qual estava significada a Imaculada Virgem Maria e a qual Tu quiseste que prestassem culto os filhos dos Profetas”[1]

            Não é somente neste lugar da Bíblia onde Maria esta figurada no símbolo de uma pequena nuvem; também Isaias a viu nesta mesma forma, quando disse:

É aqui que o Senhor subirá sobre uma nuvem, e entrará no Egito e, à Sua presença, cairão por terra os ídolos egípcios

Todavia, há outro texto na Escritura que os padres aplicam à Virgem, a qual aparece, também, sob o símbolo da nuvem; a passagem referida é do mesmo profeta Isaias:

“Deixai cair, ó céus, cair vosso rocio do alto, e as nuvens chovam o Justo

Que nuvens nos enviaram o Salvador, senão as puríssimas entranhas da Virgem Maria?!

            João de Jerusalém descobre na nuvem do Carmelo alguns dos mistérios que foram revelados ao Profeta Elias: o Mistério da Imaculada Conceição de Maria, Seu voto de virgindade, a Encarnação do Verbo em suas entranhas puríssimas e o tempo em que isto se haveria de revelar. Nada tem isso de inverossímil, sabendo que Elias estava revestido do espírito profético e merece ser chamado o  “Profeta da Imaculada” e, se com este espírito de profecia, viu na nuvem do Carmelo aquela que haveria de ser a Mãe do Messias Prometido, deixaria de cultuá-la com o rosto enterrado no pó?! Se ele A viu e venerou como a Mãe de Deus, deixaria de fazer com que seus filhos (os profetas) lhe prestassem o culto devido à “Nuvem que havia de chover o Justo”?!

            Assim acreditou a Igreja e por isso permitiu que os Carmelitas cantem o Prefácio de Nossa Senhora do Carmo e dêem graças à Deus por haver-se dignado mostrar a Elias, sob a Nuvem do Carmelo, “toda a glória à Maria Imaculada, e por haver inspirado aos filhos dos Profetas1 um verdadeiro culto à Rainha do Céus”. Esta foi, segundo Frei Florêncio do Menino Jesus - OCD [1], a tradição constante dos carmelitas.

            Naquela nuvem, Elias teria visto o símbolo mais perfeito da futura Mãe do Salvador: saindo do mar amargo, aquela Nuvenzinha não levou consigo qualquer resquício de sal e desfez-se em chuva benéfica espalhando sobre a terra vida, alegria e fertilidade. Tal, a futura Mãe de Deus, sairia da raça humana radicalmente envenenada, não seria, porém, de qualquer modo manchada pela mais tênue nódoa de culpa. A sombra daquela nuvem protetora fez com que jamais no Monte Carmelo faltassem verdadeiros adoradores de Javé [8].

            Não há dúvida de que a nuvenzinha, que viu o profeta Elias, após seu discípulo, e que ele mesmo tenha atraído pela santa oportunidade de suas rezas, não seja o símbolo e figura desta Augusta Mãe de Deus. A Sagrada Escritura diz que era como a “pisada de um homem, que, subindo do mar, se levantou ao ar, e, estendendo-se por seu dilatado horizonte, o fecundou com uma chuva abundante, que libertou a terra das seca e esterilidade, com as quais estava tribulada”.

Segundo referência [5], a imagem das virtudes de Maria e suas prerrogativas na nuvenzinha podem ser descritas da forma:

- Foi como a “pisada de um homem” : por sua humildade, porque, como diz São Bernardo, se te humilhado abaixo de todas as criaturas.

- Ela “se levantou sobre o mar”: pela sua pureza; por que surgiu de tal modo das entranhas de nossa natureza corrompida, pelo caminho de uma geração ordinária, que não contratou nada de seu peso, nem de sua amargura, e sua inocência e santidade originais a tem distinguido de todas as outras filhas de Adão.

- “Derramou uma chuva abundante e salutar”: pela sua fecundidade, pois deu ao mundo Aquele que os profetas e todo o Antigo Testamento promete como “orvalho” (rocio) ou “chuva”.

            Este mistério não foi escondido ao Profeta Elias, Deus lhe abriu os olhos da alma, pra reconhecer que esta pequena nuvenzinha, que foi tão salutar ao povo de Israel, era figura de uma virgem incomparável, que devia ser a fonte da felicidade de todas as nações. Elias informou disso a Santo Eliseu e aos seus outros discípulos – desde então eles tiveram muito respeito e dedicação por Ela [5].

 

 

2. Sobre o Escapulário

            Ao deixarem o Oriente e fixarem-se na Europa (1234), fugindo do furor do ódio infiel, os carmelitas enfrentaram grande provação. Segundo Frei Inácio Maria Ferreira Costa – Ocarm [8], trata-se da Noite Escura na história da Ordem.

Em 1251, na Palestina são arrasados os conventos em cujas chamas morrem os confrades modulando a Salve Regina; enquanto no Ocidente, as autoridades hierárquicas imbuídas por grande preconceito, dificulta-lhes o direito de fundar conventos, semeavam desconfiança e hostilidade entre os fiéis, contra eles. Desta forma, as vocações eram muito raras e numerosas deserções ocorriam.

É neste contexto histórico que a Protetora, Virgem Maria, vem em socorro de seus rebentos. O Carmelo tem urgência de um sinal palpável e eloqüente, que convença o mundo de que vive o beneplácito de Maria. Rompendo a aurora do dia 16 de Julho, revestida de esplendor deslumbrante, aparece Nossa Senhora, trazendo nas mãos o privilégio: a parte o hábito que melhor lhe designava o serviço da vida a Ela consagrada –  O Escapulário – que servia como uma espécie de avental. Entregou-o ao santo Prior inglês, Simão Stock, na cidade de Cambridge [8].

O sinal de inexprimível ternura materna é ainda hoje usado como símbolo de uma predileção muito especial da Mãe de Deus para com seus filhos carmelitas.

Não são poucos os relatos de conversões repentinas, curas milagrosas e mesmo socorro imediato em perigo de vida atribuídos ao uso do escapulário. Contudo, mais do que um talismã, um objeto miraculoso, deve ser tido como um meio palpável de recordar o amparo, conforto, consolo e salvação destinados aos carmelitas pela Santíssima Mãe de Deus. Seu escapulário deve recordar os compromissos para com a Virgem: imitar-lhe as virtudes e servir em tudo Seu Amantíssimo Filho, razão pela qual Ela promete “um sinal de salvação, de assistência nos perigos, eis uma aliança de paz e de eterna amizade”. E não obstante:  “quem morrer vestido com ele, não padecerá do fogo eterno”.  São o cerne das promessas da Virgem Maria a São Simão Stock, que na ocasião representou a família carmelitana.

O Escapulário é e vem do Carmelo, mas não para ficar escondido no Carmelo. Pelas mãos de Maria, Deus quis que ele fosse comunicado a todos os povos e a todas as classes. Assim é que ele se estendeu por todo o mundo, tão largamente como a intercessão da Virgem Maria, a ponto de hoje ser patrimônio da piedade católica. No prefácio da Festa Solene, a Igreja afirma: “Por meio do sagrado escapulário tomou-os a Virgem Santíssima por filhos de predileção”.

O fim imediato que especifica toda esta devoção não radica em prática alguma determinada, mas em um abandono total na promessa de Maria, uma promessa de salvação eterna. Por conseqüência, deve ser consagração muito mais perfeita que os atos em si, mas uma atitude de recepção e acolhida de nossa parte.

 

 

3. Sobre a Devoção Mariana atual no Carmelo

Segundo Idelfonso Moriones  OCD [2], a Ordem do Carmo, nascida do gesto de um grupo de amigos que, após ter combatido e sofrido durante meses (ou mesmo anos) pela causa comum de Cristo, na recuperação e defesa da Terra Santa, decidiram levar esta sua entrega até as últimas conseqüências, estabelecendo-se definitivamente na encosta ocidental do Monte Carmelo, os dois elementos mais importantes, ainda que ausentes no texto da Regra[2], aparecem em seguida e caracterizarão a vida do grupo ao longo de sua história, são:

- Presença de Maria: escolhida desde o princípio como Patrona – titular da primeira igreja dos ermitães latinos no Carmelo e

- Profeta Elias, cuja lembrança continuava viva – não só no nome de sua fonte, senão, sobretudo, na alma dos ermitães.

A devoção a Santíssima Virgem e a Santo Elias, que caracteriza a vida dos carmelitas, foi expressando-se de diversas formas com o decorrer do tempo, porém, sempre dentro de uma continuidade. Em Maria, o carmelita encontra a personificação mais perfeita da aspiração do Carmelo a união com Deus.

Maria é o ideal vivido da vida carmelitana: vida de escuta da Palavra de Deus e entrega total a seu serviço na obra da Salvação” [2]

            As fontes da Espiritualidade do Carmelo Teresiano tem sido, em sua totalidade, marianas: por origem, tradição, vivência, experiência e doutrina. A Ordem do Carmelo fundamenta suas raízes no culto a Maria no Monte Carmelo: “Junto a fonte (de Elias) se constitui a primeira capela em honra a Virgem”, segundo a Tradição; de onde, durante muito tempo se faz o culto a Mãe de Deus, e, posteriormente, este fervor será transladado a Europa, onde se incrementará e tomará novas matizes e características concreta, que chegaram até o povo.

            Na Madre Fundadora do Carmelo Descalço, a presença e a realidade mariana é forte e contundente. A Virgem Maria está presente nos momentos mais decisivos da vida pessoal, espiritual, como escritora e (o que importa diretamente a este trabalho) fundacional. [3]

            A presença de Maria sob o título de Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, no Carmelo Descalço é como a presença materna na família, na vida espiritual – ou pelo menos assim esperava a Santa Madre Teresa.

            A Ordem do Carmo é de Maria, e  a ‘reforma’, a fundação do novo ramo carmelita, levado a cabo por Santa Teresa não foge a regra, senão reveste de grande vigor. Segundo as palavras da própria Santa (que é consolo para suas filhas):

Mas bem sabe Sua Majestade que só posso confiar em Sua Misericórdia (...) não tenho outro remédio senão me apegar a ela e confiar nos méritos de Seu Filho e da Virgem, Sua Mãe, cujo hábito indignamente envergo” (IIIM 1,3)

            O ‘hábito’ é propriamente a vida da carmelita. E o ‘hábito’ é a vestimenta com que a Mãe de Deus se apresentou a Simão Stock e em Sua aparição última em Fátima (13 de Outubro de 1917). Santa Madre Teresa continua:

e vós que trazeis também, louvai-O, pois verdadeiramente sois filhas desta Senhora. Assim, não tendes de vos perturbar por eu ser ruim, já que possuis tão boa Mãe. Imitai-A e considerai a imensa grandeza Desta Senhora, bem como a vantagem de tê-La por padroeira, pois nem meus grandes pecados e o fato de ser como sou, podem empanar minimamente esta Sagrada Ordem

Estas palavras da Santa Madre podem bem indicar o caráter que deve ser assumido, a postura perante à Virgem Mãe dos carmelitas. [3]

Faz-se necessário introduzir aqui referencias as Constituições do Carmelo Teresiano, aprovadas em 1991 pela Santa Sé, onde, no cap. 03 apresenta a Vida Mariana no Carmelo. No parágrafo 55 diz:

A Contemplação da Virgem Maria, realização perfeita do ideal do Carmelo, torna-se luz para seguir os seus passos (...) Cada irmã acolha Maria como Mãe e Mestra Espiritual, para ser configurada à Cristo e chegar, assim, aos vértices da santidade”[4]

As mesmas Constituições apresenta, no que segue, que:

“Para responder ao desígnio de Deus, que uniu intimamente Maria ao mistério de Cristo e da Igreja, as irmãs procurarão aprofundar-se na sua vida e na sua missão, à da Sagrada Escritura, da Patrologia, da liturgia e do magistério da Igreja. honrarão a Mãe de Deus com o culto devido, no esplendor do mistério Pascal de Cristo, segundo as orientações da Igreja

Com efeito, na organização, vivência  e celebração da vida litúrgica, é procurado dar ênfase ao caráter mariano na Ordem através de:

  1. Celebração da Solenidade da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo como principal festa da Ordem.
  2. Celebração, com realce especial, das demais solenidades, festas e memórias de Maria.
  3. Celebração, aos sábados, da memória da Virgem Maria, na Eucaristia e na Liturgia das Horas.
  4. Segundo a tradição da Ordem, aos sábados, nas solenidades e festas da Virgem Maria ou nas vigílias, é cantada solenemente a Salve Regina.

Ainda previsto nas Constituições, fala-se das práticas piedosas marianas, onde cada mosteiro tem a liberdade de estabelecer as suas, de forma que existam práticas feitas em comum (como o Ângelus e Ladainhas) e também pessoais, onde cada monja deve honrar a Mãe do Senhor com autêntico culto filial, especialmente o rezo do Terço. A Virgem Maria deverão ser encomendadas as necessidades da Igreja e da família humana.

Faz-se notar, portanto, que os Santos Padres da Ordem Carmelita Descalça reafirmaram e renovaram a piedade mariana do Carmelo. A mesma Maria proposta como Mãe e Padroeira da Ordem, Modelo de Oração e Sábia na acolhida e contemplação da Palavra do Senhor, totalmente dócil às moções do Espírito Santo, mulher forte e fiel no seguimento de Cristo, associada à dor e à alegria de Seu Mistério Pascal é hoje a Doce Mãe à nos conduzir ao Amado Jesus.

 

Algumas considerações finais:

Segundo Francisco Javier Sandro Fermin OCD [9], estudioso da espiritualidade e doutrina da carmelita Edith Stein, consta que, em seus pensamentos mariológicos (de Edith Stein) apresenta a necessidade de uma visão nas formas devocionais marianas, uma vez que tais práticas só tem sentido quando imbuídas da cultura, momento histórico, enfim, do contexto ambiental, ultrapassando o “devocionismo infantil”. Uma vez que Maria é Modelo de mulher perfeita e redimida - referência, conforme Edith Stein para toda mulher – muito mais do que objeto de devoção, deve ser tida como exemplo concreto na vivência das virtudes morais (humildade e pobreza) e teologais (fé, esperança e caridade). Para Edith Stein, o ponto de referência obrigatório do conhecimento de Maria é a Sagrada Escritura, onde se pode compreender retamente o papel e significado de Maria para o cristão, por conseguinte, para a carmelita.

 

 

Referências Bibliográficas:

 

  1. O Monte Carmelo, Frei Florêncio do Menino Jesus OCD
  2. Carmelo Teresiano – Páginas de sua história, Idelfonso Moriones OCD
  3. Maria e los Santos Del Carmelo, Maurício Martín Del Blanco
  4. Regras e Constituições das Monjas Descalças da Orden da Bem-Aventurada Virgen Maria do Monte Carmelo (1991)
  5. Vida dos Santos da Ordem Carmelitana, vários
  6. N. Sra. Do Carmo de Fátima, Pe. Higino de Santa Teresa OCD
  7. As aparições e mensagens de Fátima, Antônio Machado
  8. A Virgem do Carmo e o Escapulário, Frei Inácio Maria Costa OC
  9. Identificacion de los ciumentos para uma espiritualidad mariana em Edith Stein, Franscisco Javier Fermin
  10. Obras Completas de Santa Teresa de Jesus
  11. Bíblia Sagrada, Ed. Vozes, 2002

[1] Filhos dos Profetas: são profetas que vivem em comunidade perto de santuários, formando uma espécie de confraria; poderiam chamar-se discípulos dos profetas ou talvez melhor “irmãos profetas”(1Rs20,35; 2Rs4,1.38). em contraste com o solitário Elias, Eliseu vive no meio destes “irmãos profetas”. [11]​

[2] “Regra Carmelitana”:  recolhida pelo patriarca Alberto de Jerusalém, no início do séc. XIII